segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Professora que alcançou fama na internet lança candidatura a vereadora em Natal

Se depender da professora Amanda Gurgel (PSTU), o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados deixará a tradição de participar de eleições somente para competir. Após ganhar grande visibilidade com as críticas ao sistema educacional brasileiro, a professora acredita que está na hora de o partido chegar à Câmara Municipal de Natal (CMN).

Pré-candidata a vereadora, Amanda disse, em entrevista a O Poti/Diário de Natal, que estima a meta de 17 mil votos para conquistar a vaga no legislativo municipal. Ela citou que, apesar de o partido ir em busca de um mandato eletivo pra valer pela primeira vez em Natal, não abandonou os seus princípios. "Não vamos vender a alma para conquistar o mandato", declarou. Durante a entrevista, Amanda comentou a repercussão do seu vídeo no Youtube, avaliou o legislativo brasileiro, criticou os atuais vereadores e adiantou como será sua campanha.

Por que a decisão de entrar na política partidária?

Eu faço parte da política partidária há algum tempo, antes mesmo do vídeo em que apareço criticando a situação da educação. Acontece que, como as pessoas não me conheciam, não sabiam informações sobre minha vida pessoal e política. Mas faço parte do PSTU há um ano. Entrei no partido antes do episódio do vídeo.

Por que a senhora decidiu se candidatar a vereadora?

Essa foi uma decisão coletiva. Não foi minha. Foi uma observação do partido como um todo. A partir da repercussão que o vídeo sobre a educação teve, as pessoas se sentiram representadas por mim. Muitas pessoas me perguntaram sobre a candidatura, então o partido avaliou que isso seria positivo. Essa candidatura será uma forma de aproveitar a oportunidade para ter na Câmara Municipal de Natal uma representação popular com viés socialista, para usarmos esse novo ponto de diálogo para a população.

Historicamente, osmembros do PSTU destacam que participam das eleições, por eles ditas burguesas, para divulgar suas ideias. Agora, o partido vai em busca de conquistar verdadeiramente uma cadeira na Câmara. A estratégia mudou?

Nós não mudamos o caráter da nossa participação na política partidária e nas eleições burguesas. Não mudamos nossa percepção política. A nossa prioridade nunca é eleger nossos candidatos. É dialogar com a população e aproveitar o espaço na mídia para isso. Essa continua sendo nossa prioridade. A diferença é que agora há uma mobilização nas bases dos trabalhadores para que isso se concretize. Há uma mobilização para que uma candidatura do PSTU realmente chegue à Câmara Municipal de Natal. Nós continuamos com os mesmos objetivos, ideais e princípios. O que mudou foi a conjuntura e o modo como as pessoas estão vendo essa candidatura do PSTU.

A mídia gratuita que a senhora ganhou com a repercussão do vídeo publicado no Youtube, inclusive nacionalmente, impulsiona essa candidatura?

Com certeza. O fato é que essa mídia espontânea que surgiu tanto ajudou na divulgação do partido e do nosso programa, como auxilia numa possível eleição. A gente pretende se valer desse recurso que surgiu espontaneamente. Nós não investimos em candidaturas. Não temos recursos. Nos recusamos a receber dinheiro de empresários e de bancos. O apoio que já estamos recebendo e vamos receber é dos trabalhadores. É a eles que vamos dever nossas explicações, caso haja realmente a eleição. Serão esses trabalhadores que construirão o mandato da professora Amanda Gurgel e do PSTU.

A senhora pretende se valer das mídias sociais durante a campanha, tendo em vista que elas foram responsáveis pela sua grande visibilidade?

Os mais jovens do partido já haviam percebido o poder das mídias sociais e já usavam. A gente percebeu que as redes sociais têm grande força. Então, obviamente nós vamos utilizar. É uma ferramenta muito importante.

A senhora tem medo de decepcionar os seguidores que encamparam seu discurso de melhorias para a educação, com aentrada na política para disputar um cargo eletivo?

Estamos falando como se eu estivesse eleita, mas é um passo ainda muito longo. Precisamos de 17 mil votos. É muita coisa. A gente ainda não sabe se vai ter coligação. Isso ainda não foi discutido.

Como a senhora pretende enfrentar essa estrutura viciada do poder legislativo?

Nós não acreditamos que a transformação social possa acontecer dentro dessas estruturas que hoje existem, com poderes executivo, legislativo e judiciário. Nós acreditamos que elas só podem acontecer a partir das mobilizações das massas, com as pessoas indo para as ruas defender seus direitos. Então, eu não tenho medo de decepcionar. Não tenho medo de não conseguir aprovar um projeto meu que atenda aos interesses da classe trabalhadora. Não será um mandato meu, nem do PSTU. Será um mandato popular. As pessoas estarão lá para ver minhas intenções. Mostrarei minhas posições e a dos vereadores que votarão contra. Não vamos transformar a cidade nem a educação por meio disso. Eu sou uma pessoa apenas. Eu serei os olhos dentro da Câmara. Não temos a perspectiva de transformar. Sabemos das limitações do espaço legislativo, que faz parte da estrutura burguesa da sociedade e não sou eu que vou mudar.

Então, a senhora pretende usar o espaço no legislativo municipal para divulgar suas ideias e mostrar o pensamento do PSTU sobre os temas de interesse da sociedade?

E também para que as pessoas tenham um espaço. Vou pavimentar o acesso do povo à Câmara. As pessoas hoje não se sentem à vontade de assistir uma sessão. A ideia é termos a vigilância popular sobre o legislativo.

Qual é a imagem que a senhora tem hoje do legislativo brasileiro?

Mais especificamente em Natal, a imagem do legislativo é de submissão. Recentemente, foi feita uma pesquisa em que quase 90% da população disse desaprovar a prefeita. Nossa Câmara hoje compactua e referenda essa prefeita, que tem esse grau de rejeição. Então, obviamente, não representa os trabalhadores. Isso está visto. Não precisa ser cientista político para entender. Além disso, Natal é a segunda capital em índice de analfabetismo, só perdendo para Maceió. Não temos sequer um vereador que levante a bandeira da educação. Como a gente aceita ser a segunda capital com maior índice de analfabetismo? Nós somos uma capital que não tem remédios nos postos de saúde, o lixo domina as ruas e os vereadores não dizem nada. Vivem num universo paralelo. A imagem que eu tenho é essa.

A senhora acha que é proposital ou falta de atenção?

Acho que é descaso mesmo. Os vereadores estão pouco se importando com os eleitores. Estão se lixando para a população.

A senhora tem consciência de que o poder do legislativo não influi diretamente nessas ações do Executivo?

Alguns candidatos e vereadores honestos que são candidatos pensam que podem transformar a sociedade nessa estrutura. Para mim, é muito claro que a gente não pode. Agora uma coisa é você se aliar e estar comprometido com essa estrutura e outra é você defender os interesses da população. Quem aceita financiamento de empresas de ônibus e participa do partido da prefeita está atendendo aos interesses deles. Eu não aceito esse financiamento e vou mobilizar a sociedade e os vereadores a votar contra os projetos que atendem os interesses dos empresários, como aumento do preço da passagem de ônibus sem melhoria da qualidade do transporte.

De uma forma geral, qual a avaliação da senhora sobre o legislativo brasileiro?

É isso. É um legislativo distante. Não está em consonância com os anseios da classe trabalhadora. Está comprometido com aqueles que financiam suas campanhas. Esse é o meu diagnóstico.

A senhora não tem medo de se contaminar, eleita vereadora, com as práticas políticas que existem no sistema atual?

Não. Não tenho menor receio de que isso aconteça. Meus princípios são extremamente sólidos. Tenho toda uma jornada que começou no movimento estudantil da UFRN. Tenho uma formação política forte. Quase aos 30 anos de idade, decidi entrar no PSTU. Não foi por acaso. Decidi ingressar no partido que sintetiza meus princípios e aquilo emque eu acredito. Não mudaria isso por causa de um mandato ou por causa de dinheiro. O programa do meu partido é sólido e seguro. É defendido diariamente por pessoas que acreditam naquilo. O programa do PSTU, apesar de pouco conhecido, é defendido diariamente. O meu partido não permitiria isso.

De que forma a senhora fará sua campanha?

Não pretendo fazer uma campanha artificial, de chegar nos lugares onde não haja a menos inserção dos militantes ou minha. O PSTU tem um trabalho sólido. Temos um trabalho na educação em Nova Natal que se espalha pelo bairro como um todo. Vamos fazer a campanha nos espaços onde o partido tem inserção e os militantes atuam. Pretendo passar nas escolas, visitar os bairros onde temos apoios. É muita gente apoiando nossa candidatura. Onde tivermos apoiadores, iremos, como é o caso de um apoiador que já se disponibilizou a abrir as portas no Gramoré. Então é isso.

A senhora fará campanha nos bairros burgueses?

É porque esse conceito de bairro burguês é meio ambíguo. Algumas pessoasacreditam que professor universitário é burguês. Para mim, são trabalhadores. Eles moram em alguns bairros ditos privilegiados. Vários já manifestaram apoio a essa candidatura. São apoios bem-vindos. Agora, os grandes empresários, que representam a própria burguesia, não têm interesse de votar numa trabalhadora como eu. Então, obviamente, que não vou gastar minha energia fazendo um trabalho com eles. Vou trabalhar com os que se identificam com o meu discurso, com o que eu defendo. Existem muitas pessoas nos setores médios, como médicos e dentistas, que me encontram nas ruas e dão apoio. Não sei nem quais são os bairros considerados burgueses.

Vocês trabalham com a perspectiva de 17 mil votos para conseguir uma cadeira na Câmara. A senhora não acha que chegou a hora de o partido mudar sua estratégia eleitoral e formar coligações para atingir essa marca ou até um número maior?

Não é que tenha chegada a hora de o PSTU fazer isso. Temos uma organização política de criar frentes de esquerda. Já fizemos coligações com Psol, PCB, PCO e outros partidos de esquerda. Não vamos nos negar a isso se for o caso de, na atual conjuntura, é melhor para o partido sair com essa frente. Mas isso não está definido. E se for, o objetivo da frente não será jamais garantir a eleição. Isso será uma consequência, caso consigamos. O diferencial agora é que tivemos essa mídia espontânea. Mas não mudaremos nossa conduta política por causa da eleição. Se conquistarmos o mandato, isso será de extrema utilidade para a população. A avaliação que temos é que os vereadores não representam o povo. O mandato só vai acontecer se as pessoas abraçarem essa causa e se prontificarem a isso. Não vamos vender a alma para chegar lá.

Existe uma outra frente de esquerda, formada por PT, PDT, PSB e PCdoB, com até candidaturas competitivas para a prefeitura e nominatas fortes para a Câmara. Existe a possibilidade de o PSTU futuramente se alinhar a esses partidos?

Não. Não há essa possibilidade. A avaliação que temos é que o PT rumou por um outro caminho. O PT precisou fazer alianças com o PMDB, que compõe o governo federal, aceitou dinheiro de empresários e banqueiros, entrando para esses partidos que atendem os interesses dos empresários e não do povo.

Para a senhora, então o PT hoje não é um partido de esquerda?

Esse conceito é complexo. Mas nós entendemos que hoje o PT rompeu com os princípios de defesa dos trabalhadores, do proletariado, que eram apresentados anteriormente.

Que projeto a senhora pretende apresentar como vereadora, na sua área de atuação mais especificamente?

Não temos ainda projetos. Todos, a partir da candidatura, serão construídos coletivamente. Em dezembro, faremos o lançamento da candidatura e vamos convidar massivamente as pessoas que simpatizam com a candidatura para que elas participem de seminários e reuniões para discutir isso. Tudo será feito de forma extremamente democrática e coletiva. Eu, particularmente, defendo e todos na escola acham que seria ótimo. Em nível federal existe dentro da lei do piso que um terço do nosso tempo de trabalho seja dedicado ao planejamento e estudo. Acho pouco. Acho que deveríamos ter metade da carga horária voltada para isso. É um exemplo do que poderíamos debater para originar um projeto. Isso seria muito difícil, mesmo porque temos um déficit enorme de professores. A secretaria não demonstra interesse em realizar novo concurso. A demanda é muito grande. A educação está caótica. A ideia é que a gente pegue esses problemas para debater. Sinto-me preparada para debater principalmente esse tema.